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Não coloque uvas passas na sua vida

  • Foto do escritor: Carlos Neiva
    Carlos Neiva
  • 17 de jul. de 2024
  • 5 min de leitura

Publicado originalmente em dezembro de 2016.


Natal é minha época preferida do ano: o clima mágico, as decorações, as festas, os presentes, as músicas natalinas que adoro e, é claro, o sentido espiritual e belíssimo que essa data contém. Deus que adentra o tempo e se faz homem para levar-nos a Deus. Não há como não amar o Natal! Porém, há um problema que vem se tornando um inconveniente nesses últimos anos: a uva passa. Essa coisa horrível com aparência de barata morte e gosto de chiclete velho invadiu toda a mesa de Natal, trazendo a destruição gastronômica a todos os pratos.


Sinceramente, o que o cara que inventou a uva passa tinha na cabeça? Torturar a humanidade? Só pode! Pense na uva, é uma coisa muito saborosa, aquele caldinho doce que você chupa e joga a casca fora; aquele caldinho que você esmaga e deixa fermentar e faz um bom vinho. De quem foi a diabólica ideia de desidratar a uva e tirar justamente esse caldinho maravilhosos e deixar só uma casca murcha e desagradável? Para quê? Com que propósito? Eu não sou um astronauta, eu não preciso me alimentar apenas de comida desidratada, logo eu não preciso torturar a comida com essa perca de sabor.


O problema da uva passa é que ela não se contentou em ser ruim, ela decidiu sair por aí estragando todos os pratos com ela. É como se elas tivessem se organizado e pensado “se não somos boas o bastante, ninguém vai mais ser”. É incrível como tudo no natal passa a ter uva passa como se esta fosse decoração natalina gastronômica. Tudo tem uva passa: é arroz com uva passa, feijão com uva passa, farofa com uva passa, salada com uva passa, frango com uva passa, leitoa com uva passa, sorvete com uva passa, uva passa com uva passa.


E o panetone? Era só um pãozinho doce gostoso que foi infestado de uva passa, e o pior, elas não vieram sozinhas, mas pediram um reforço de outras frutas desidratadas para elas. Frutas cristalizadas nada mais são do que a ideologia da uva passa levada por toda a sessão do hortifrúti. Mas queria aproveitar o ensejo para parabenizar todas os confeiteiros e confeiteiras que souberam reverter a situação e substituíram essas frutas secas por gotas de chocolate. Aos inventores do chocotone os meus parabéns! Vocês salvaram o Natal.


E qual não foi a minha surpresa ao ver nessa semana a maior ofensiva da invasão das uvas passas. As desgraçadas apareceram em uma receita de coxinha recheada. Sério? Na coxinha? O salgadinho fechado que não aceita nenhum outro tipo de recheio? Eu confesso que com essa coxinha recheada de uva passas, a imperatriz, Dona Teresa Cristina, a mãe dos brasileiros e inventora da tradicional coxinha de frango, deve estar revirada no túmulo. É preciso dar um basta nisso, as uvas passas foram longe demais.


Na nossa vida, também deixamos algumas uvas passas desvirtuar o sabor das coisas como elas deveriam ser. E como deveriam ser? O Catecismo da Igreja Católica diz que “o homem foi criado para servir e amar a Deus” (§358). E qualquer coisa que fuja disso é como tirar o recheio de frango da coxinha e encher de uvas passas, pois é fugir do propósito para o qual fomos criados e tentar preencher com coisas que não tem graça, ou melhor, que não fazem feliz de verdade.


Amar e servir a Deus, esse deveria ser o recheio das nossas vidas, foi essa a receita do autor Deus. Essa é a razão de existirmos e o motivo da felicidade, fugir disso é perder o propósito e a alegria, é encher a vida de uvas passas.


Parece estranho e pesado a palavra “servir”, e realmente pode incomodar muita gente como de fato incomodou o anjo Lúcifer. Parece que vai contra a liberdade, fazendo Deus um faraó malvado que nos tirou do Egito, longe das nossas cebolas, para morrermos no deserto. Ou talvez pareça algo que só faz sentido com uma recompensa: eu faço esse trabalho para receber algo em troca, seja dinheiro, favores, reconhecimento ou sei lá mais o que… qualquer uva passa ou fruta cristalizada que surja pela cesta de natal.


Mas é por isso que o Catecismo diz “servir e amar”. O serviço só faz sentido se for por amor, mas não amor próprio, ou ao dinheiro, ou um amor humanitário, mas um amor a Deus.

Quando servirmos a Deus porque o amamos, então esse serviço faz sentido, e mais ainda esse serviço nos faz felizes de verdade. Esse serviço nos dá paz, ainda que o Fulano não tenha dado valor, Ciclano tenha criticado e o Pe. Beltrano não tenha reconhecido meu esforço. E isso tudo porque eu trabalho com Fulano, Ciclano e Pe. Beltrano porque amo a Deus e quero o reconhecimento d’Ele, e isso basta.


Devíamos examinar nossas consciências e nos perguntar se servimos a Deus e se o amamos. Saber se servimos é fácil: atuamos em nossas paróquias? Somos realmente dedicados nos serviços e responsabilidades? Cumprimos a escala? Vamos as reuniões pontualmente e diligentemente? Cuidamos das coisas da Igreja melhor do que cuidamos das nossas? Tratamos a todos com respeito e evitamos fofoquinhas e mexericos? Somos prestativos e desinteressados?


E saber se amamos também não é difícil: é só ver se todo empenho no serviço me realiza e faz feliz, ou se fico buscando compensações, como recheio de uva passa na coxinha. Se não sou feliz no serviço de Deus, é porque algo está fora do lugar, tem passas por toda a mesa.

Então cabe um segundo exame de consciência: quais são as uvas passas que estão na ceia natalina da minha vida? O que eu venho procurado que não seja o amor de Deus no meu serviço ao Senhor? O que me atrapalha a ser feliz? O que devo retirar, como as crianças catam as uvas passas do arroz, da minha vida: meu amor próprio, minha vontade de aparecer, minha inveja, minha imagem pública?


Por fim, se servir e amar a Deus é motivo de tanta felicidade, parece lógico que se deseje isso cada vez mais. Então, é possível notar o seguinte movimento: se quero ser feliz sempre, devo buscar minha razão de ser sempre, que é servir e amar a Deus, logo, quero servir e amar Deus sempre. Mas como isso é possível? Ficar na Igreja o dia todo? Sabemos que não é possível. Então é preciso servir e amar a Deus fora da igreja como se faz dentro da igreja. Levar a Igreja para casa, para escola, para a faculdade, para o trabalho, para o clube. Não é à toa que o padre diz ao final da Missa “Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe!”.


Então é preciso servir a Deus em cada trabalho, em cada lição de casa, em cada afazer doméstico, em cada cliente. Assim se é feliz o tempo todo. Sente-se o real gosto da vida, sem uvas passas para estragar. E é interessante notar que o amor a Deus leva a um amor e serviço ao próximo, mas não pelo próximo em si, que pode decepcionar, magoar, não retribuir et similia. Serve-se o próximo por amor a Deus e se alcança a felicidade. Simples assim!


Servir e amar a Deus, essa é a receita original de nossas vidas. Não se deve encher essa composição divina com uvas passas e outras frutas cristalizadas, porque essas irão impedir que se sinta o legítimo gosto da felicidade. E buscando seguir sempre essa receita, fará com que a mesa do banquete de nossas vidas esteja sempre repleta, como se fosse Natal todos os dias.

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