E se fosse outro deus?
- Carlos Neiva
- 17 de jul. de 2024
- 5 min de leitura

Publicado originalmente em 2017.
Aconteceu então que eu morri, desencarnei e “puf” apareci no meio do nada. Na minha frente, uma figura loira usando tanga e barangandãs se apresenta como um deus de uma tribo polinésia e diz que eu vou para o mesmo lugar que Hitler, Einstein e Madre Teresa de Calcutá, pois o paraíso só é concedido aos membros da tribo indígena… e para a Hebe Camargo.
Para além da crítica à “Extra Ecclesiam nulla salvus” (Fora da Igreja não há salvação), essa cena me deixou pensativo: e se quando eu morrer, descobrir que existe um deus, mas que ele é bem diferente do Deus pregado pela Igreja Católica? Já tratei em outro texto de um exercício de imaginação sobre a hipótese da não existência de deus. Agora, permito a me imaginar encontros com diferentes deuses que não o Deus cristão.
Já que eu introduzi o assunto com a referência do deus polinésio, vou começar com ele. Se eu me encontrar com o deus e descobrir que ele e um deus apenas de um povo e que é só para esse povo que será concedido a salvação, vou apontar o dedo na cara dele e vou zombar da sua onisciência. Vou chamá-lo de fraco! Favoritismos e predileções são coisas tão humanas. Determinar-se por meio de uma estrutura social é tão mais humano. Criar um mundo todo para gostar só de um povo é uma atitude de um deus com a mentalidade de uma menininha de quinze anos.
E se essa predileção não serve nem para a salvação eterna, mas para um domínio meramente econômico, como muitos judeus materialistas acreditam, eu nem daria ao trabalho de conversar com esse deus, porque ele não é um deus, é o CEO de uma multinacional. Bill Gates seria um deus melhor que ele.
Mas se eu deparar-me com deuses de departamento, como os deuses mitológicos, onde cada um tem sua área de atuação e seus pontos fortes e fracos, exploraria logo as possibilidades e passaria por entre eles buscando o meu lugar. Se não há um deus único e supremo, então reivindico para mim o direito de ser um deus. Posso assumir a cátedra da zoeira, se Loki não estiver ocupando-a. Ou então me torno o deus da internet 4G, porque vê-se bem que falta um.
Se eu encontrar um deus único e todo-poderoso, mas que não se interessa muito pela raça humana. Um deus que criou o mundo, povoou-o e abandonou-o a sua própria sorte. Eu lhe daria uma bronca e, quem sabe, até umas palmadas. Esse deus não passa de um moleque que brinca com forças que não compreende. Pois cria a vida para desprezá-la ou, pior, para escarnecer dela. É como um garotinho que pede aos pais uma fazenda de formigas, mas depois de sete dias olhando com atenção, perde o interesse e vai para o quintal jogar bola. Não é bem o tipo de maturidade que espero de alguém que tenha a eternidade por idade.
Se ele for um deus tirano, que exige uma religião de submissão total. Quero voltar-me contra ele com o mesmo ódio que Nietzche o odiou. Não há sentido criar um mundo e escraviza-lo por pura soberba. Eu prefiro cuspir na sua face e pronunciar como Lúcifer um “Non serviam!”. E ir com minha dignidade e orgulho para o quinto dos infernos ou ser banido da existência.
Se de repente eu perceber que deus se desfez em uma supernova ao ter criado o mundo, e nós somos apenas partes do cadáver zumbi deste deus. Eu com certeza ficaria decepcionado, como uma criança que descobre que o Papai Noel e a Fada dos Dentes são seus pais. Pobre deus! Não era capaz de criar do nada, então se utilizou de matéria. Pensando assim, esse deus parece tão patético como Frederico Barbarossa, afundado no raso pelo peso da sua própria armadura.
E se esse deus não tiver morrido, mas estiver em toda parte. Eu pensaria agora em todas as coisas em que deus estava, mas era bom que não estivesse: aquela bola de futebol que os meninos chutavam, aquele pernilongo que matei com uma toalha, aquela cadeira em que o gordinho ficava soltando pum. Pobre deus! Não está morto, mas era melhor fazer-lhe uma eutanásia. Parece com um garotinho cheio de piolhos, e o piolho somos nós.
Não! Qualquer Deus que seja meramente material, ou cujo espírito pareça uma forma menos condensada de matéria, parece tão pouco divino. Não preciso nem falar do demiurgo mau, que criou a matéria por inveja dos homens. Que tipo de deus perfeito teria inveja dos homens?
E se esse deus, que devia ser único para ser eterno, tiver uma contraparte. Como se fossem dois deuses, um mal e um bom, disputando pelo mundo? Eu colocaria os dois de castigo abraçados. É certo que eu e meu irmão brigávamos muito, mas o tempo passou, crescemos e paramos com essas infantilidades. Agora, dois deuses brigando por um brinquedo desde a eternidade. Espero que eu morra junto com a Super Nanny.
Mas se não for um deus, mas apenas uma civilização avançada, que veio de outro planeta e nos criou como gado para seus fins desconhecidos. É bom que eles me sacrifiquem logo, pois farei um levante que nem George Orwell conseguiria imaginar. Humanos criam o gado porque vacas são incapazes de se rebelar, mas nós somos seres que se saem muito bem — muitíssimo bem! — em nos rebelarmos contra os superiores. Recomendo que esses “astronautas” rezem aos seus deuses.
Se deparar-me com um deus que nos criou pois estava sozinho e precisava de companhia, eu lhe daria um abraço, mas no fundo teria pena e desdém dele. Deus não é o tipo de pessoa que fica sozinha no recreio, sua perfeição atrai tudo a si. Se esse deus precisa da humanidade, começo a desconfiar da sua onipotência.
Por fim, se eu encontrar qualquer deus que seja diferente do Deus pregado pela Igreja Católica: um Deus que deseja que todos se salvem, mas nos deixa livres para escolhermos; um Deus que nos convida a um mundo melhor que este; um Deus capaz de amar a cada um em plenitude; um Deus que é senhor de todas as coisas visíveis e invisíveis; um Deus onisciente, onipresente e onipotente; um Deus que não é solitário, mas nem diminuído, antes disso, é um só Deus em três pessoas; um Deus que não precisa da humanidade, mas a criou por amor gratuito; um Deus que se entregou por amor aos homens; um Deus justo, mas misericordioso; um Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo.
Tenho plena certeza de que o Deus uno e trino existe e é Ele o nosso início e destino. Sei que toda nossa teologia é palha diante do que Ele é, mas já serve para nos deixar conhecer o que é possível a nossa inteligência tão humana. Quando eu morrer, espero encontrar o Deus cristão. Qualquer outro deus não é digno do título “deus”. Ou há o Deus cristão, ou não há nenhum. Se houver um deus diferente do Deus a quem dou o meu amor e minha adoração, este merece apenas o meu desprezo. Qualquer outro deus não é bom o bastante para mim.
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