Johnny Act: um ensaio de ironia
- Carlos Neiva

- 17 de jul. de 2024
- 5 min de leitura

Publicado originalmente em 2016.
Quando ouvimos a palavra “santo” ou “santa”, pensamos imediatamente em alguém que serve de modelo de vida, pensamos em um herói, como São Jorge ou Santa Joana D’Arc; pensamos em um sábio, como Santo Tomás de Aquino ou Santa Teresa de Jesus; pensamos em um grande defensor dos pobres, como um São Francisco ou Santa Clara; ou pensamos em um líder respeitável, como São João Paulo II ou Santa Hidelgarda. Em suma, a palavra “santo”, lembra-nos de alguém virtuoso que deve ser imitado, pois sua vida é uma pregação ambulante do Evangelho.
Entretanto, quando ouvimos a expressão “santinho” (no masculino ou no feminino), podem vir a mente três definições diferentes: a primeira, e única boa, é aquela dos santos que foram tão humildes e amáveis que suas imagens nos vem com muito apreço, como Santa Teresinha do menino Jesus ou São Domingos Sávio; a segunda, é a daqueles panfletos com o rosto de candidatos políticos ao qual o povo brasileiro, desinstruído que só, apelidou com o piedoso nome. Essa lembrança remete-nos à sujeira, seja das ruas ou simplesmente moral; A terceira e última é a que iremos tratar nessa pequena personagem a quem daremos o nome de Johnny Act, mas você pode lê-lo com o nome que você quiser, seja homem ou mulher.
Quem topa com Johnny Act na rua, com certeza atravessa para o outro lado. Pois tal como um mulçumano fervoroso, Johnny aparenta que irá explodir os infiéis a qualquer momento. Não que as pessoas se sintam infiéis (suponho que nenhum americano se sinta assim em relação ao islã), mas a noção de fidelidade de Johnny é algo assombroso.
Sombra! Com certeza essa é uma palavra que define bem “nosso amigo”. Pois uma sombra também pode ser bem encorpada, de tal forma que chegue a assustar, mas, tal como a piedade de Johnny, ela não tem consistência alguma.
Creio que o que está no cerne de sua espiritualidade é uma ausência de interioridade e uma profunda exterioridade, se é que podemos chama-la de profunda. Ora, o Sr, Act mais parece um cemitério ambulante do que alguém que convive com Deus. O corpo está coberto de cruzes: uma cruz episcopal pendurada no pescoço, uma segunda em um anel, mais uma no braço, outra do terço que ele traz envolto nas mãos, mais uma de um outro terço que está no bolso, mas a cruz fica dependurada para fora. Mas será que na vida de Johnny há cruzes tão bem aceitas? Será que ele sofre com paciência as faltas dos outros? Será que ele se deixa passar despercebido? Ele por acaso consegue passar calado por alguma situação que o incomoda?
Ele reza dezenas de rosários, porém se esqueceu de que um terço com amor de filho à Mãe Santíssima vale mais do que mil ave-marias. Como dizem os antigos, o que conta não é a quantidade, mas a qualidade. Non multa, sed multum.
Os fariseus gostavam de usar longas faixas com trechos da Torá amarradas nas mãos e na cabeça, mas não praticavam nada daquilo que vinha escrito. Johnny também tem um quê farisaico, pois as cruzes, junto de uma bíblia e outros livros piedosos que ele sempre carrega, mostram-no como um ser iluminado. Mas como bem dissemos, luz é o que falta em Johnny.
Ora, a luz não entra na casa sem janelas, e na morada da vida de Johnny não há janelas.
Nosso caríssimo beato traz o corpo fechado até no sentido exterior, pois suas vestimentas já o comprovam. Johnny usa apenas camisa de manga comprida, não importa o calor que faça. O último botão da gola (que o bom senso pede que deixe aberto se não se usar gravata) também está fechado. Mas não é um sentimento de modéstia que leva-o a fazê-lo, antes disso, é um sentimento de hiper-sexualização. O Sr. Act ainda é inseguro em relação a sua sexualidade, e por isso é escrupuloso a ponto de ver o erótico em tudo. Mal se lembra de que o fruto do qual Adão e Eva pecaram ao comer não era o sexo, mas o orgulho.
E o puritanismo dessa personagem não para por aqui. Para ele, tudo é pecado, e Deus irá fulminar todos os malditos que se deleitam nessas coisas. Contanto, o álcool e o fumo são gravíssimos, tal como uma música, um jogo, um filme, um videogame, uma piada e tudo que for tão bom quanto. Tudo aquilo que é profano é necessariamente mal. Lembrando que a verdadeira definição de profano vem do latim “pro” “fanus”, “fora do templo”. Para Johnny, o que não é religioso é demoníaco. Tudo aquilo que for material é pecaminoso, mas John se esquece de que “Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gn 1, 31a).
Ainda nos fatores externos, o Sr. Act necessita de exibir sua religiosidade nos seus gestos. Quando vai rezar, gosta de encenar de santo místico, e fica de mãos postas com a cabeça tombada para o lado, tal como os olhos fechados e de joelhos. Parece um daqueles anjinhos de presépio. Com toda certeza ele pede a Deus por fenômenos místicos. Ele deseja levitar, possuir estigmas, adivinhar os pecados alheios e fazer milagres, e com isso tenta a Deus. Mas Johnny só quer os milagres dos grandes santos para crer de fato, pois sua fé é vazia. Aos cristãos bastam os milagres narrados nos Evangelhos, mas para Johnny é necessário que ocorram em suas mãos.
Por fim, Johnny almejou tanto ser anjo, que se esqueceu de ser homem. Está longe de assumir esse conceito em sua totalidade. Falta-lhe virilidade: ele não seria capaz de tratar uma dama cordialmente, não seria capaz de realizar um trabalho com profissionalismo, não consegue ter uma conversa agradável com um grupo de amigos.
Mas vale lembrar que o Sr. Act é um homem bom. Ele ama muito a Deus e tem a vontade de agir corretamente, ainda que seja incapaz de fazê-lo. Johnny Act é um coitado que errou em dois pontos: 1) ele tomou um fardo muito pesado e confiou em suas próprias forças; 2) ele quis tanto servir ao Deus todo poderoso, Senhor dos exércitos, que se esqueceu de que Deus é Pai misericordioso.
Johnny assumiu a vida ascética como um conjunto de formalidades praticadas por santos de outras épocas e de outros contextos, confiou que em suas forças poderia executar tudo e ser bom. Mas assumiu um fardo demasiado pesado, e não aceita que Cristo o ajude a leva-lo.
No seu orgulho, fracassou miseravelmente e, no amargor de sua existência fracassada, quer que os demais, que desfrutam do mundo, tomem a mesma medida. A decepção o levou ao pessimismo e o pessimismo o levou a soberba. Johnny é como aquele irmão mais velho, da parábola do Filho Pródigo, que se enfurece com o amor do Pai para com o outro pecador.
O segundo ponto é exatamente o que torna o fardo pesado. O Sr. Act foi tão servo que se esqueceu de que já não somos servos, mais filhos (Cf. Gl 4, 7). Ele quis trabalhar como um empregado que o faz por obrigação a fim de receber um salário, ou um cabrito, no fim do mês. Se Johnny se lembrasse de ser filho, saberia que tudo que é do Pai também é dele e que por isso ele pode desfrutar tranquilamente das coisas. Ele se lembraria de que trabalhar para o Pai é apenas estar junto daquele que amamos e com quem queremos aprender.
Não sintamos raiva de Johnny Act, mas tenhamos pena e compaixão dele. Sua vida é uma tremenda frustração. Ele está diante de um Pai que o ama, mas crê que pode ser fulminado a qualquer momento. O que explica todo o seu mal humor a ponto de se escandalizar com as mais simples piadas. O pobrezinho não sabe rir! Não há nele bom humor, porque nele não há tranquilidade. Rezemos para que um dia, Johnny possa deitar tranquilo aos pés de Jesus e, enfim, escolher a melhor parte (Cf. Lc 10, 42).








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