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A Mensagem de Aparecida

  • Foto do escritor: Carlos Neiva
    Carlos Neiva
  • 17 de jul. de 2024
  • 8 min de leitura

Publicado originalmente em 2017.


Uma das coisas mais fantásticas no catolicismo é, sem dúvidas, os paradoxos que só o Deus Todo-Poderoso pode realizar, coisas como o Perfeito Deus e Perfeito Homem ou a Virgem Mãe. Mas há também outra quebra da nossa pobre lógica: uma vez que Deus é eterno, pode-se imaginar que Ele está fora do tempo, e estar fora do tempo é, de certo modo, estar fora da história. Entretanto, o que exatamente Deus faz é quebrar essa dedução lógica. Da eternidade, Ele intervém na história de cada homem, mas também na história geral da humanidade. O eterno adentra o tempo, e o infinito põe-se dentro do limitado. É assim desde Adão, Noé e Moisés, mas sobretudo na Encarnação do Verbo, quando Cristo faz dos paradoxos supracitados algo literal.


Mas Deus não se deteve no ápice da história da salvação, antes disso, continuou a intervir na história da humanidade. Ele interveio na invasão dos unos à Roma, interveio nas batalhas contra os mouros e interveio na descoberta do Novo Mundo. Mas nenhuma dessas intervenções, que muitos perdem ao ouvi-las com desdém, fazem-se mais belas do que nas que a Virgem Maria, Mãe de Deus, põe-se em favor de nós, pecadores e seus filhos.


É pela Virgem do Rosário que foi vencida a batalha do Lepanto, é pela Guadalupana que as Américas se desenvolveram, é pela Dama de Lourdes que conteve-se a Revolução Francesa, é pela Senhora de Fátima que findou-se a Grande Guerra e suportou-se a Segunda Guerra Mundial. Em suas aparições, Maria Santíssima escolhe pessoas simples para ouvirem sua mensagem e divulgá-las ao mundo. E em meio a essa gente simples, encontra-se também o povo brasileiro.


Este é o primeiro ponto para o qual deve-se atentar: Nossa Senhora da Conceição Aparecida do Brasil não foi uma aparição como as outras. A Virgem não surgiu de uma forma mística em visões a um ou três videntes e depois desapareceu, mas foi na simplicidade de uma pobre imagem que a Virgem quis permanecer para sempre junto ao povo da Terra de Santa Cruz.

Uma simples imagem! Uma imagem da Imaculada Conceição, um título mariano declarado por Sua Majestade Dom João IV como padroeira de Portugal e todos os seus domínios além-mar, um título que se refere a um dogma que foi proclamado somente cento e trinta e sete anos depois, e cuja a própria Virgem irá confirmar quatro anos após a declaração do dogma. A Virgem pisa a lua e se veste de sol, deuses dos indígenas que habitavam a região do Vale da Paraíba, como descrito no Apocalipse, bem como em Guadalupe.


Como em todas as aparições, Maria é canal para que Deus intervenha na história. Como em todas as aparições, Maria tem uma mensagem, um segredo e uma missão para anunciar. Mas diferente das outras aparições, a Senhora Aparecida não fala coisa alguma. Em seu silêncio, que não quer dizer ausência de sinais, fica a pergunta: Qual é a mensagem de Aparecida?


O que Maria quer dizer ao povo brasileiro, quando surge das águas do Rio Paraíba? O que a Virgem tem a dizer a nós, seus filhos, quando nos aparece no mesmo ano em que surge a maçonaria? Será que Aparecida limita-se ao mero engajamento abolicionista? Que sentido há por trás das centenas de milhares de peregrinações ao seu santuário em Aparecida do Norte? O que Maria quer ensinar no seu silêncio típico?


A delicada imagem da Imaculada Conceição é feita de terracota, por isso, é toda escura. Não é uma aparição da Virgem em pele escura, como o fizera em Guadalupe. Mas também não quer dizer que haja uma relação especial entre a Mãe Morena e a abolição da escravatura no Brasil. Nossa Senhora Aparecida mostrou-se em defesa dos negros quando libertou o escravo Zacarias, apanhado após uma fuga. Não deixa de ser irônico o fato de que a mesma mão que assinou a Lei Áurea seria a mesma que a presentearia com o tradicional manto e coroa que criou a representação da Virgem conhecida por todo o país. Princesa Isabel é mais um instrumento na mão do Deus que intervém na história, fazendo parte de um plano que já havia sido planejado pelo Pai antes de Dom João IV escolher a protetora do seu império.


Mas há muito mais do que este engajamento político. Na figura de Zacarias, não é possível ver apenas todos os negros discriminados ou pobres oprimidos, mas também todos nós que sofremos sobre o julgo do pecado. A Mãe Morena não rompe apenas as algemas do escravo que suplica por liberdade, mas de todos nós escravizados pelo pecado. Neste ato de libertação, Maria, a mãe do Redentor, quer dizer a cada um que já não somos mais servos, mas filhos adotivos do Pai. É findada a era da servidão, agora, em Cristo, tudo que é do Pai é nosso e tudo que é nosso é do Pai.


E aqui também encontra-se a pista para a solução do mistério proposto. Embora a Virgem não nos fale diretamente, é nos sinais da sua presença sempre constante em meio a nós que ela deseja ensinar o que aprendeu de seu Filho, cujos ensinamentos guardou no coração e meditou profundamente.


O primeiro grande milagre da Senhora Aparecida vem exatamente após o, já milagroso, encontro da sua imagem (Primeiro o corpo, depois a cabeça. Quais são as probabilidades disso acontecer por mero acaso?). Após uma noite longa de pesca infrutífera, os três pescadores viram-se com as redes tão cheias a ponto dos barcos quase naufragarem. É exatamente o mesmo milagre que Jesus faz em meio aos seus quatro primeiros discípulos, descrito no início do quinto capítulo do Evangelho Segundo Lucas. Que será que a Virgem quis dizer com esse sinal? Ela, a quarta discípula na barca, quis convidar todo o povo brasileiro com o mesmo convite que Cristo faz aos pescadores galileus. Maria Santíssima convida a sermos discípulos de Cristo junto com ela, mas não meros discípulos, mas pescadores de homens.


A V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, em 2007, que culminou com a elaboração do Documento de Aparecida, acertou em cheio ao propor o termo “discípulos missionários”. Pois acredito que seja exatamente essa a mensagem que Maria quer transmitir com o seu exemplo ao povo brasileiro, a necessidade de sermos discípulos missionários. A Virgem Aparecida não realizou aquela pesca milagrosa apenas para Filipe Pedroso e seus companheiros (não vou entrar no mérito do nome deste pescador, que não deixa de ser muito significativo), mas o fez para firmar a todo povo brasileiro como discípulos missionários de Jesus, assim como ela o é.


E é aqui que fica o segredo da singela imagem: Nossa Senhora fica constantemente presente em meio a nós, discípulos, para ensinar-nos a darmos nosso sim ao chamado do Pai, como ela fizera na visita do Anjo Gabriel, a ouvirmos atentamente as palavras do Filho, como ela fizera no templo em Jerusalém; e a pedirmos a vinda do Espírito Santo, como ela fizera no Cenáculo. Maria nos firma na fé e nos põe na “escola do Evangelho” (como bem diria Bento XVI), a fim de levarmos a Boa Nova de Cristo ressuscitado a todos os demais.


E a prova de que é uma mensagem constante, é que não aconteceu somente há trezentos anos atrás e a imagem tornou-se apenas um souvenir de uma saudosa pescaria. Deus continuou realizando sinais por meio da singela imagem da Conceição Aparecida. Além do rompimento dos grilhões de Zacarias, em 1830, a Virgem fez muitos outros milagres, mas há um que merece especial atenção: a cura de uma cega de nascença em 1847. Mais uma vez, vê-se a repetição de um prodígio narrados nos Santos Evangelhos, dessa vez o capítulo nono do Evangelho segundo São João.


Quem pecou pela cegueira, os pais ou a criança? Ninguém! Porque Deus permite a uma inocente menina nascer privada da vista? Deus permitiu para que se manifeste nela a sua glória, como de fato ocorreu quando a jovem apontou a igreja que começou a ver para a sua mãe. E o povo brasileiro? Quem pecou para merecermos esses sofrimentos? Portugal? A Inglaterra? A coroa? Os nobres? Os degredados? Os canibais? Os políticos? Não importa! Deus quer fazer dessa situação toda uma ocasião de mostrar a todos o quanto pode realizar obras maravilhosas em nós. Deus nos dá a visão da fé onde só víamos tragédia. Ambos os cegos de nascença, o dos Evangelhos e a menina, foram curados, e ambos tornaram-se pregadores das maravilhas de Deus. Maria convida-nos a sermos como o cego que pregava sua experiência com Cristo em meio aos judeus ou como a menina que divulgou sua história nas regiões arredores.


Ainda sobre sermos discípulos missionários, como Filipe Pedroso, Zacarias e jovenzinha que passou a enxergar, há um fato peculiar, que pode revelar-se profético. Refiro-me ao famoso milagre das velas. A princípio, um sinal bobo, que não cura ou liberta ninguém, mas tão rico de significado (para não dizer mais) como todos os outros. A vela é sinal da fé, é uma chama que crepita e ilumina ao seu redor. E quando as velas se apagam, Maria as reacende. É a nossa fé, que Maria convida a guardarmos, apesar das dificuldades, e promete reacendê-las caso aconteça dos ventos do ateísmo, do ódio, do relativismo, do hedonismo ou da heresia investirem contra ela. E é por isso que a imagem permanece em nosso meio. Maria quer que guardemos a Fé em cristo enquanto o Velho Mundo se perde em meio às ideologias que criou. Talvez para que levemos de volta a eles, como eles trouxeram a nós.


E se tratando de ventos turbulentos, houveram muitos que investiram contra a imagem de Aparecida. Desde o pastor da Universal que a chutou até o incidente de 1978, em que Rogério Marcos quebrou a imagem em pedaços. Mas mesmo assim Nossa Senhora mostrou-se ainda presente diante das tribulações. O próprio caso de Rogério Marcos, onde houve no exato momento um pique de energia em toda cidade, o que relembra o episódio das velas e toda sua mensagem. Entretanto, é a história da queda do cavalo que se faz digna de menção. Quando o homem que persegue a Virgem se põe a entrar de cavalo na Igreja, o casco do cavalo fica colado na pedra (onde as marcas permanecem até hoje) e ele cai por terra.


Há aqui mais uma semelhança às páginas da Sagrada Escritura. Dessa vez é o início do capítulo nono do livro dos Atos dos Apóstolos, onde Saulo cai por terra enquanto ia perseguir os cristãos em Damasco. Não sabemos se havia um cavalo ou não (embora faz sentido que um nobre como ele fizesse uma viagem tão longa e importante a cavalo), mas Saulo cai e é interrogado por Cristo. Perseguir a Igreja é perseguir Cristo, o jovem judeu se levanta e depois se torna o grande apóstolo São Paulo. Com este milagre, vemos mais uma vez o chamado a sermos discípulos missionários, mas também a confortante certeza de que perseguir os discípulos de Cristo, e Maria é a primeira deles, é perseguir a Cristo, que é Deus.


Entretanto, são inúmeros os milagres realizados pela mediação de Nossa Senhora Aparecida, os sinais de seus milagres decoram a enorme sala conhecido como “casa dos milagres”, onde milhares de devotos deixaram lembranças de graças alcançadas: curas, resoluções de conflitos, resgates, edificações e bênçãos. Cabe lembrar que são apenas algumas graças que ali se imortalizam, há muitos outros milagres que ficam em segredo.


Fazendo mais um paralelo com os Evangelhos, podemos dizer que são tantas as graças que se fossem transcritas, não caberiam no mundo os livros que conteriam as bênçãos da Mãe de Deus aos seus filhos. E ela o faz para que seus filhos vejam e acreditem que Jesus é o Senhor, e para que o glorifiquem e o anunciem aos demais. Faz isso hoje como fez nas Bodas em Caná.


Nossa Senhora da Conceição Aparecida tornou-se pois a mãe de todo brasileiro e brasileira. Uma mãezinha que acolhe cada um que traz uma história cheia de feridas e alegrias, envolve a todos, por mais simples que sejam, no seu manto anil triangular e aponta à missão de anunciar a Boa Nova aos povos. Ela se faz sempre presente e tem muito a dar e ensinar a qualquer devoto que lhe recorrer. E são muitíssimos os que a visitam no Santuário Nacional e saem de lá tocados pela graça de Deus.


Essa é a mensagem da Senhora Aparecida, mãe de Deus e nossa: colocar-se ao nosso lado, consolar-nos e dar-nos o exemplo de discípulos missionários. Ser verdadeira escola da fé ao povo brasileiro. Mas há ainda uma outra mensagem discreta que passa despercebida por muitos. Nossa Senhora Aparecida não aparece em prantos como em Salete, nem com palavras duras como em Fátima, antes disso, se notar bem, verá que a imagem, embora singela, mostra uma covinha. Nossa Senhora sorri e ensina a alegria do Evangelho ao povo que aprendeu a rir das próprias misérias.

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