A Igreja sofre, eu sofro
- Carlos Neiva
- 17 de jul. de 2024
- 6 min de leitura

Publicado originalmente em Agosto de 2018.
No mês passado, vieram à tona, mais uma vez, milhares de escândalos de abusos sexuais por parte de clérigos católicos. Em meados de 2010 havia tido outro, no papado de Bento XVI, que muito me envergonhou e desanimou, mas agora, quase uma década depois, comigo já de volta ao seminário, diante desse novo desalento. Dessa vez eu não me abalei vocacionalmente, mas, fui surpreendido, ao ver-me ainda indignado da mesma forma, ou até mais que antes. Dessa vez eu me pus a rezar e me esforcei para guardar um pesaroso silêncio. Porém, no dia 20 de agosto de 2018, o santo padre, Papa Francisco, emitiu uma carta ardorosa (LEIA AQUI) e eu, após lê-la e me sentir inflamado por ela, quero bradar minha dor.
Sim, existem padres que são piores que o próprio demônio! Sacerdotes e consagrados cuja bestialidade choca o mais apático observador. Não é conspiração por parte da mídia, do comunismo ou de sociedades secretas. Foram padres, nossos padres, que molestaram inocentes e fizeram coisas obscenas e demoníacas. Existem muitos padres devassos e, infelizmente, estão misturados em meio aos bons, de uma forma que não é possível separar o joio do trigo, enquanto crescem misturados. Pedofilia, adultério, homossexualismo, maçonaria, abuso de poder e outras ações dantescas podem ser apontadas em meio àqueles que trazem Cristo à terra e perdoam nossos pecados.
Como muito bem colocou o Papa nessa carta, não são apenas abusos sexuais, são também abusos de poder e de consciência. E infelizmente esses abusos foram se instaurando em meio as coisas santas. Se fossem apenas esses monstros, poderíamos enforcar o último nas tripas do penúltimo, mas eles estão em meio aos bons, que fazem toda nossa vida aqui na terra ter sentido, pior, pode ser que ele seja as duas coisas levando uma vida dupla, mais nem por isso, com o caráter sacramental menos válido.
E por isso que muitos se colocam a defender esses monstros. Dão-lhes o benefício da dúvida, recusam-se a acreditar no óbvio, silenciam-se e até defendem. O que acaba, nas palavras do Papa, gerando uma certa cumplicidade. A infâmia que esse ser traz é tamanha que, diante da comunhão dessa vergonha, acabamos por comungar do seu crime. Esses pecados são nossos também, por isso que o Papa pode vir a público pedir desculpas.
Mas como indicou o Papa, o que nos levou a isso foi uma “corrupção espiritual”, que entrou como tumor e se alastrou por todo organismo da Igreja, corpo místico de Cristo, de uma forma que esse câncer faz agonizar todo o corpo, a Cabeça inclusive. As células mais próximas corromperam-se por omissão, cumplicidade ou escândalo (esta última é uma palavra grega que significa pecar igualmente do mesmo jeito após ver o mal exemplo do outro).
A raiz de toda essa corrupção está na ganância, no orgulho e na falta de oração e de penitência. Deixamos a porta aberta para o mal, e já não cabe mais o Noivo nessas bodas existenciais. Se não se busca o serviço humilde, mas a comodidade e o prazer, se se falta a oração, mas sobra tempo para a veneração do “eu”. Em questão de tempos, pode se cair nesses erros perversos, como a história bem nos demonstra. Sim, não se deve julgar os pecadores, porque todos os somos, não se deve condenar, pois podemos fazer coisas piores, mas uma coisa é certa: objetivamente, esses homens são abomináveis em seus atos e melhor seria que atassem seu pescoço atados a uma pedra de moinho atirada ao mar, pois a dor que geraram para as vítimas e para a Igreja vai custar as suas almas. É com pesar que afirmo: Quantos padres estão no inferno sendo atormentados eternamente e especialmente pelos demônios!
Talvez muitos leitores estejam achando tudo muito forte, mas talvez seja exatamente porque sofrem do mal que o Papa afirma ser a força motriz dessa corrupção: o clericalismo.
Aprendemos com muitos santos a venerar a figura do sacerdote, que traz Cristo a nós e ministra os sacramentos, mas de tão dóceis ovelhas, deixamos o pastor mal acostumado.
Quantos padres gozam de autoridade digna de um deus! Isso é muito bom se for um anto sacerdote, mas se for mal (e pode ser que sim, pois outra característica do clericalismo é a vida dupla), o quanto não pode fazer de mal com essa autoridade. E não só isso, nós leigos nos tornamos clericalistas, quando queremos bancar as lideranças pastorais e bancar os moralistas e liturgistas, montando em nossas paróquias grupinhos e facções, nossos pequenos feudos, onde somos o “pároco” local. Sem o espírito de serviço e o desejo de trabalhar para o Reino de Deus, somos servos de nós mesmos, merecendo o mesmo destino do parágrafo anterior.
Devemos aniquilar o clericalismo! Devemos, nós leigos, sermos muito laicais, vivendo santamente em meio ao mundo nas nossas variadas atividades profissionais. Quanto aos sacerdotes, deve reconhecer que fez-se padre para servir e não para estabelecer uma política de padroado, que muito recebeu de Cristo e que Cristo cobrará o rendimento de cada centavo. Ai daquele que for pego bebendo, banqueteando, dormindo, batendo nas empregadas, abusando de menores ou tendo relações sexuais, seja com mulher ou, muito pior, com homem!
Nessa mesma carta, o Santo Padre determinou algumas posturas que devem ser tomadas, as quais localizei na missiva e reagruparei neste texto adiante.
Quanto a esses monstros, os pedófilos, que não haja a mínima tolerância com eles (o Papa falou sobre uma implementação da “tolerância zero”). Que não se acoberte, antes disso, denuncie e ajude todas as medidas judiciais necessárias. Não é tempo de misericórdia, esses homens não pecam por ignorância ou fraqueza, tem todos os meios a seu alcance, se o fazem, é por maldade. Ainda que se arrependam, as marcas dos seus atos vão atormentar vítimas psicologicamente por décadas. Deus pode perdoar no confessionário, mas a sociedade deve fazer justiça (e a justa justiça, com tautologia poética, não é com as próprias mãos, mas com os devidos meios legais).
Quanto às vítimas, devemos sentir toda a sua dor, e tomar uma postura de solidariedade “no sentido mais profundo e desafiador”, nas palavras do Papa. E, com toda a empatia e caridade, estender uma mão católica amiga. Ajudar essas pessoas de todas as formas que estiverem ao nosso alcance, não para tentar desculpar o molestador, mas pelo valor da própria pessoa que sofre.
Quanto a nós, que combatamos o clericalismo tanto no meio laical quanto clerical. A receita para tal o próprio Papa a dá: assumir a consciência de sermos povo. Se todos somos povos de Deus, todos somos iguais em valor, ainda que diferentes em atuação. Se todos somos povo, todos servimos a Deus e Deus é servido por todos, assim já não há espaço para prepotência, arrogância, orgulho etc.
Ainda sobre nós, que não percamos (ou lutemos em reconquistar) a consciência de pecado, pois parece que estamos com a consciência anestesiada, e nos sentimos permitidos a dialogar com pecado, sem mais sentir o horror por esse. Nossa sociedade se tornou permissiva, ela acha que todos podemos tudo. E se todos podem tudo, por que não molestar um pré-adolescente, fazendo com que passe o resto da sua vida tendo pesadelos com isso e chorando de medo? O importante não é o prazer momentâneo?
E a terceira medida sobre nós a fazermos muita oração, jejum e penitência Afinal, a Igreja é de Deus e Ele é quem cuidará desse tumor de que Sua Esposa padece. Portanto, rezemos, mais do que antes, por essa situação.
Tomo a liberdade de tomar uma sexta medida não prescrita pelo Papa: se você, caro jovem, vocacionado, seminarista, consagrado, noviço ou aspirante tem, no seu íntimo, e na sacralidade da sua consciência, alguma inclinação: seja a mulherengo namorador, a homossexual contido e tutti quanti, olhem bem para tudo que disse e pense um pouco. Se você já não se contém em dar uns pegas nas meninas bonitas, se você tem desejo por homens e já chegou a ter experiências homossexuais. Não tente enganar a si mesmo achando que com “reza braba” vai conseguir forças para superar isso. Espero que supere e seja um profissional leigo muito santo, mas, por favor, não insista na ideia de adentrar o clero, a vida religiosa ou consagrada, pois você vai pecar, e se o fizer, ainda que uma única vez, vai causar uma mancha terrível, vai destruir uma vida, e é bem provável que isso acarrete outras destruições (pois muitos molestadores afirmam já terem sido molestados). Tenha misericórdia das vítimas, tenha misericórdia da Igreja, tenha misericórdia da sua alma, não e digne acolher tão grande dom, pois essa armadura resplendente será a causa do seu afogamento. Fuja enquanto dá tempo.
E se você, seminarista, não tiver nenhum problema desse tipo, apegue-se em Deus por completo, queria servi-lo e nada mais. Davi não pecou quando lutava contra o gigante Golias, mas quando acordava de um cochilo vespertino na tranquilidade do castelo. A vida burguesa vai destruir sua alma, ame a pobreza a ponto de chamá-la de irmã, pois São Francisco foi um homem que não se deixou levar pelas tentações da carne, mas só porque foi radical.
Enfim, o Papa, foi muito sábio ao concluir sua epístola indicando Nossa Senhora como modelo de reação nesses casos. Como Ela diante do Cristo crucificado, permaneçamos firmes, de pé, em silêncio e oração insistente. Pois diante de tanto sofrimento do corpo de Cristo, sentimos também nós uma espada de dor trespassar nossa alma, ao serem revelados pela imprensa tantos segredos ocultos.
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