Tabaco quando é fresco
- Carlos Neiva
- 17 de jul. de 2024
- 6 min de leitura

Publicado originalmente em 2016.
O título desse artigo faz referência a um texto no qual G. K. Chesterton discorre sobre a visão purista em relação ao vinho e outras bebidas alcoólicas, que por sua vez, faz referência ao capítulo vinte e três do livro bíblico dos Provérbios. Em meio a esse mar de referências, é possível traçar um mapa de pensamento que nos traz às primícias da ideia desse texto: religião > álcool > tabaco.
O álcool é a vítima da carência de virtudes que os homens sofrem desde que perderam a noção do que é ser homem. Ora, o meio (onde habita a virtude) foi totalmente ignorado e dois extremos foram tomados. De um lado se colocam um bando de beberrões que afogam suas mágoas e descarregam sua brutalidade, e de outro um bando de puristas que nada sabe sobre o riso e o cristianismo.
Tratemos pois deste último ponto. O próprio G. K. Chesterton¹ diria que “nenhum animal nunca inventou nada tão mau quanto a embriaguez — ou tão bom quanto a bebida”. De fato, a cerveja (por exemplo) é boa enquanto bebida em si. Até por que se sua composição fosse má, deveríamos também proibir os pães, feitos com os mesmos materiais que a iguaria suméria. Não há nada de errado em se combinar água, cereais, fermento e uma erva amarga e se beber dessa mistura em um caneco grande, como não há nada de errado em fazer uma massa dessa mesma mistura (sem o lúpulo) e pôr para assar. Se a bebida for trocada para o vinho, minha indignação é maior ainda, pois a cerveja tem os mesmos ingredientes do pão, mas o vinho é a própria bebida que se torna Eucaristia. Como pode um católico dizer que não se pode beber “pão líquido”, se comunga do Corpo de Cristo em forma de pão? Como pode ele abnegar o vinho que é a matéria para o Sangue de Cristo?
Sem ser tão prolixo: a bebida enquanto receita não é má. É algo bom, feito pela inteligência humana para alegria dos homens, ao qual Deus quis dar um sentido novo. O próprio Cristo bebia, e como naquela época faziam, haveriam alguns de nossa geração que apontariam na cara de Deus e diriam que Ele não passava de um pecador, glutão e beberrão (Cf. Lc 7, 34). E não foi só Cristo que bebeu, ao longo dos séculos podemos enumerar dezenas de santos, papas, bispos, freis, monges, reis, professores catedráticos e etc. que bebiam com aquele belo pensamento de serem felizes filhos de Deus.
Mas o álcool foi incompreendido por pessoas que em sua soberba, não sabiam o que é reta intenção, filiação divina, alegria e comunhão. Não faltaram ao longo dos séculos muçulmanos e protestantes que odiavam a bebida dos católicos e o Deus misericordioso que ela lembrava. Mais o triunfo foi deles que conseguiram convencer a nós mesmos da impureza de algo tão bom e belo.
É claro que eles não tiveram trabalho para provar o argumento, como tudo que é bom, o ser humano conseguiu perverter em seus pecados: foi assim com o sexo, o dinheiro, a internet e a política. A bebida então passou a ser consumida em excesso e, com tanta intemperança, passou a ser válvula de escape para sua devassidão: a violência e outros atos recalcados. Por fim, a embriaguez, efeito ruim que podia ser controlado em doses moderadas, mas aí entra, como já disse, a intemperança.
Ou seja, a bebida é algo bom, se moderada, mas ela sofre de constante perseguição. Essas perseguições vêm de um pensamento anticristão que acabou impregnando a mente dos próprios cristãos.
Com essa introdução extensa e necessária, chego a ponto desejado: e quanto ao tabaco? Jesus Cristo não fumou; Não há consagração de charutos; Sua proibição não é um pensamento protestante ou muçulmano. De fato, toda a minha argumentação até aqui parece vã. Entretanto, é necessário ver a coisa um pouco mais além do que aparenta.
Também com o tabaco existe um conflito de extremos, de um lado há um grupo radical que abomina até o cheiro de fumo, e de outro uma porcentagem considerável de viciados. Uma cena interessante que nos leva a refletir sobre essa questão foi aquela de um jovem que visitava um casal de velhinhos em um asilo, a velhinha fazia vômito quando sentia o cheiro de cigarro, e o velhinho tinha os dedos amarelados de tanto fumar, o jovenzinho não tinha problemas. A virtude está no meio!
Quando se pensa em algo, não se deve pensar no que aquilo pode resultar caso o indivíduo possa usar descontroladamente. Se pensar o que pode fazer em excesso, ao invés da medida moderada, devíamos proibir os celulares, raios-x, macarrões instantâneos, anticoncepcionais e seriados na Netflix. Ora, quando se faz algo para consumo, pensa-se nas pessoas consumindo de maneira equilibrada. O vício é um acidente da maldade humana, uma má utilização de algo bom (Cf. CIC §2290).
Concordo que existem substâncias viciantes na composição do fumo, mas nada é tão agravante quanto dizem, pois também existem essas substâncias no café, no chocolate, na Coca-Cola e no sexo, e não se vê a proibição de nenhum destes por serem viciantes. Isso ocorre pois, mesmo viciando, são tomados com moderação e normalidade.
Se o cigarro faz mal? Fornos micro-ondas e celulares dão mais câncer. Sexo oral é uma causa de câncer mais comum que o fumo. O trânsito mata muito mais pessoas! (Anda não vi o ministério da saúde proibindo andar de carro). E como foi dito, existem velhinhos com mais de noventa anos que fumam constantemente e desfrutam de longa vida.
Acreditar nas propagandas governamentais, aquelas montagens que vêm atrás das caixinhas de cigarros é o mesmo que acreditar que o ex-presidente Lula é o homem mais honesto do mundo.
O tabaco foi uma descoberta bem posterior, e por isso, não me atrevo a dizer se Jesus fumaria ou não, mas o fato é que alguns papas e santos o fizeram. O fumo não foi algo criado, desenvolvido e adotado pela Igreja, mas certamente foi muito bem acolhido como algo bom e belo. Sua aplicação era prática, afastar mosquitos, relaxar, espairecer as ideias e estimular a criatividade.
Entretanto, decidiu-se que os homens não mais deveriam mais sentar em círculos e partilhar de uma boa tertúlia enquanto, dando umas tragadas, pensavam sobre a vida, a sociedade e a filiação divina. O riso mais uma vez foi cortado, e dessa fez pela galera desesperadamente apegada à saúde e o Estado.
Este primeiro “inimigo” é bem mais tranquilo, não passa de um grupo de pessoas que estão desesperadamente apegadas a vida, e que querem conservar sua vida a todo custo, fazendo exercícios e dietas. Para eles, tudo que aparenta fazer mal à saúde é necessariamente pecado (Cf. CIC §2281). Alguns ainda argumentam que apenas conservam o “templo do Espírito Santo”, mas todos sabemos de que esse hedonismo não passa de um ato de conservação do “templo do ego”.
O segundo é um pouco mais assustador, pois ele não deseja algo desesperadamente para si, mas tirar algo de cada um de nós friamente. Ao longo dos anos, o Estado foi incutindo a ideia de que é ele quem deve dizer o que e bom ou ruim para nós, e alguns, como massa acéfala, repetem o discurso estultamente sem se lembrar que quem deve escolher o que é bom ou o que é ruim para si é a própria pessoa.
O que ocorre aqui é um teste de liberdade. O Estado vai privando aos poucos cada um e todos vão aceitando: ele proíbe de fumar em alguns lugares, tudo bem; ele expande esta fronteira, tranquilo; ele proíbe propagandas, paciência; ele aumenta os preços como medida corretiva, de boa. Aos poucos vamos aceitando que é assim mesmo e que tudo está bem. O problema, é que não está. A liberdade vai sendo minada e não há reação. Ainda que fosse algo que fizesse todo o mal do mundo para o próprio indivíduo, se este não mata-o diretamente e também não fere os demais cidadãos, é direito dele escolher se ele quer ou não consumir este mal.
Por fim, inteiro que o cigarro, o cachimbo, o charuto ou semelhantes provindos do tabaco são casos diferentes das drogas ilegais, pois essas são alucinógenas ou destrutivas ou altamente viciantes (uma pessoa precisa fumar todos os dias por dois anos para ficar de fato viciada), e portanto tira o indivíduo da razão, põe em risco os demais e priva a liberdade do ser. Mas o uso de drogas é pano para muita manga (Cf. CIC §2291).
E como casos diferentes das drogas ilícitas, o tabaco, assim como o álcool, é algo bom, do qual os homens podem desfrutar com sobriedade lembrando sempre que tudo é bom, pois tudo foi criado por Deus para seus filhos amados. Parafraseando Chesterton, autor que inspirou esse artigo, o cristianismo é o único lugar onde pode-se encontrar a perfeita harmonia entre a bebida, o tabaco e a cruz. Pois desse mundo, desfrutamos das dores e alegrias que surgem em nossos caminhos.
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