O que o Big Brother Brasil pode nos ensinar?
- Carlos Neiva
- 5 de nov. de 2021
- 5 min de leitura

Se a pandemia impediu muita coisa, como o Carnaval, por exemplo, uma coisa ela não foi capaz de freiar. O reality show de maior sucesso da rede Globo está em altíssima audiência e constantemente entre os trending topics do Twitter. Acontece que esse grupo de pessoas reunidas em uma casa, tendo sua intimidade exposta pode funcionar não só como entretenimento, mas como uma excelente experiência para melhor compreensão da sociedade.
É claro que o mundo está cheio de inteligentinhos, e com as redes sociais, a opinião deles (e eles são cheios dela) fica exposta para quem quer e quem não quer. No Brasil, há dois grandes grupos dessa categoria super intelectual. O primeiro grupo é o dos entendidinhos com consciência de classe, o segundo é o dos inteligentinhos que só apreciam alta cultura. Cada um dos dois tipos teve uma reação diferente ao programa.
O primeiro tipo tem justamente um representante dentro da casa desta edição (BBB21). Os memes com a psicóloga Lumena deixam claro que gente super entendidinha é na verdade gente chata e que esse tipo de gente pode até influir e impor suas vontades perturbadas (e, no fundo, egoístas), mas quem tiver uma perspectiva mais ampla vai ver além das palavras pomposas.
Já o segundo tipo jamais terá um exemplar dentro da casa, pois esse tipo se acha bom demais para o programa. Esse tipo não é como as pessoas que compõe a ralé, ele está ocupado lendo autores complexos, ouvindo música erudita e participando de jantares inteligentinhos onde fala coisas que a plebe não tem capacidade de entender. Do alto de suas torres de erudição ditam que o programa é um lixo e que qualquer um que o assista deve ser considerado pecador público com a penalidade de olhares tortos e desdenhosos e, talvez, até uns cochichos com risadinhas em sequência. Pessoas deste tipo vão as redes sociais para dizer que o programa é uma perda de tempo e que eles o condenam publicamente.
O segundo tipo é tão chato e insuportável quanto o primeiro, e, com toda certeza, ele já julgou este artigo pelo título, e, se ousou ler até aqui, estava esperando uma crítica ao reality show escondida sobre o título chamativo. Agora, que esse tipo já parou de ler, sigamos o argumento com apenas os leitores que interessam.
O Big Brother Brasil é um entretenimento, e, como tal, não deve formar, educar, conscientizar ou coisa alguma do tipo, por mais que a Lumena queira participantes que “tragam um debate interessante”. Um entretenimento barato tem como única função divertir e distrair cabeças cansadas da longa jornada diária de trabalho, que querem apenas ver gente sendo fútil como se elas mesmas não o sejam. Essas pessoas só querem julgar os defeitos de outras como se elas mesmas não tivessem algum. Que mal há nisso? Não se faz o mesmo com a vilã da novela? BBB é a grande novela da vida humana, com todas as suas mazelas.
Como todo reality show, o programa em questão tem como objetivo expor o cotidiano de pessoas em uma espécie de competição. Todos esses programas Big Brother, A Fazenda, Master Cheff, Largados e Pelados, The Circle e tantos outros são exatamente isso, pessoas vendo pessoas superarem seus limites com sua vida sendo posta à prova, seja uma pressão psicológica, como o BBB, seja a exploração de algum talento em particular. No Pesadelo na Cozinha, quem manda mal é a “vergonha da profissón”.
Mas o BBB tem uma particularidade interessante a qual notei nesses dias em que não se fala de outra coisa, e talvez seja essa a grande contribuição que o programa tem a oferecer para nossa visão de mundo. Esse pequeno experimento social nesse zoológico humano deixa claro para todos nós qual é o problema de quem tem o horizonte limitado.
Trancados na casa, respirando o ar competitivo do programa o dia todo, os participantes não conseguem pensar em outra coisa que não a competição. Eles têm de tudo, do bom e do melhor, mas não conseguem desfrutar com plenitude, porque sua atenção está focada no jogo. Note bem: eles ganham festas incríveis, com tudo do bom e do melhor, mas gastam seu tempo discutindo sobre o jogo, falando de terceiros ou maquinando articulações. Ainda que tivessem o melhor deste mundo, não dariam valor, pois o foco de suas atenções é única e exclusivamente o jogo.
Essa visão limitada faz com que formem grupinhos, que suas conversinhas sobre os outros sejam ainda mais reduzidas que o próprio ambiente da casa, que tenham uma compreensão errada uns dos outros. Não é à toa que o resultado de um paredão choque este ou aquele, ou que o participante mais odiado pelo país seja o mais querido na casa. Pessoas com dons de liderança conseguem influir em um ambiente, mas sua influência não se estende até o infinito, quem tem a visão toda da realidade (o pessoal de casa, no caso) consegue ver as linhas que agitam as marionetes.
O mesmo vale para quem age por meio de um personagem, quem te vê nesse ou naquele momento de encenação pode achar que te conhece bem, que sabe tudo sobre você, mas só quem acompanha todo seu cotidiano sabe de fato quem você é. É impossível manter uma personagem o tempo todo, vez ou outra ela falha e a persona real se manifesta.
O BBB criou um mundinho no qual seus participantes vivem com uma cosmovisão extremamente reduzida: seu futuro não ultrapassa alguns meses, seus assuntos são apenas sobre as pessoas e os fatos dos últimos dias e suas emoções são daquele momento. Mas quantos exemplares de visão reduzida podemos ver por aí? Quantas pessoas veem tudo reduzido a sua luta ideológica, ao seu fanatismo religioso, ao partido político, às notícias que recebe no Whatsapp, ao trabalho ou ao grupo de amigos. Quanta gente parece viver trancado em uma casa limitada que ela mesma criou para ela? Eu mesmo conheço dezenas: um que só fala de padre o tempo todo, outro que só fala de política, outro que vê luta de classes em tudo, outro ainda que acha que todos conspiram contra ele, outro que só sabe dar provas e mais provas do seu ateísmo, enfim… às vezes dá vontade de mandar um e outro para o paredão, apenas para que cogitem que a vida é bem mais que isso. Há quem decida para quem vai torcer no programa baseado em justiça social: “Vou torcer para a Fulana porque ela é mulher negra e merece protagonismo” (Baita papo de inteligentinho conscientizado!).
Em sentido contrário, como é bom conversar com alguém “fora da casa”! Essa pessoa tem vários assuntos, pondera sobre cada caso individualmente, não rotula as pessoas em grupos, não atribui as medidas que tem para si sobre os outros, sabe ver os pontos positivos e negativos de algo… enfim, é alguém que parece ter o pay-per-view da vida real.
Inspirado no livro 1984, de George Orwell, esse reality show tem a nos ensinar que o mundo é bem mais que a agenda do Grande Irmão e que, para além do “momento do ódio”, é preciso esfriar a cabeça e não se deixar levar pela massa, é preciso conseguir ver as coisas como de fato são, é preciso posicionar-se em diferentes pontos de vista sobre o mesmo assunto, pois ainda que se possa ver tudo, ainda não se saberá o que se passou no íntimo de cada pessoa. É impossível capturar todos os recortes de um fato, cabe ao prudente montar as partes e deduzir as peças que faltam com sabedoria.
O BBB está aí e vez ou outra podemos ser julgados pelos de fora como estão sendo os participantes da casa. Na verdade, já estamos sendo julgados pelos inteligentinhos que não consomem cultura da ralé, mas mesmo a torre de marfim da erudição pode ser um horizonte bem limitado às vezes. Enfim, abra sua mente, saia de sua redoma, caminhe para lá e para cá. A vida é bem mais que provas do líder e paredões.
Texto originalmente publicado no blog do Canal 7 em 18 de fevereiro de 2021.
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