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Fazemos seu deus sob encomenda

  • Foto do escritor: Carlos Neiva
    Carlos Neiva
  • 17 de jul. de 2024
  • 5 min de leitura
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Publicado originalmente em 2016.


Parece o começo de uma anedota, mas juro que não é, por mais cômico que possa ser o final: estavam em uma mesa comendo pizza um católico, uma evangélica e uma espírita. A espírita dizia que tinha muito medo de ir para o inferno, e por isso lhe apetecia muito a doutrina do espiritismo, que lhe dava a oportunidade de se tranquilizar com a promessa de uma reencarnação, onde ela tentaria acertar várias vezes sem compromisso. Tirando isso, ela disse que o catolicismo vinha no segundo lugar (a virtude está no meio, não?), pois havia o purgatório e as indulgências que davam um bom conforto também. Mas o pior mesmo era o protestantismo, esse lhe dava muito medo, pois ela ia ser jogada no inferno sem dó nem piedade. Pobre espírita! E que pobre consciência também!


Bento XVI por várias vezes criticou a volta do paganismo em meio a sociedade. Estudos mais detalhados desse paganismo estão na coletânea de suas homilias intitulada Ser cristão na era neo-pagã. Também recomendo a leitura de um ponto de vista histórico, na obra A Invasão Vertical dos Bárbaros, de Mário Ferreira dos Santos. Esses dois grandíssimos pensadores mostraram o quanto o pensamento pagão vem entrando em nossa sociedade, mas eu preciso evidenciar um fator específico: a neo-idolatria.


O exemplo de nossa amiguinha espírita. O que ela fez foi exatamente abraçar um credo que lhe deixasse mais tranquila, que não lhe exigisse muito esforço. E esse vem sendo o pensamento que acompanha cada vez a população.


Aqui, vale apontar que a palavra idolatria já foi manchada por duas vertentes diferentes de idólatras: os protestantes e os marxistas. Quando me refiro “neo-idolatria”, estou bem longe do que qualquer um deles queira dizer. Não refiro-me a uma ideia que se defende com unhas e dentes, até mesmo da razão, nem mesmo com o gesto simplório de fazer uma imagem de alguém que se venera e colocar em sua casa.


Na antiguidade, os pagãos tinham o costume de modelar uma imagem de barro (ou outro material) e fazer um ritual de evocação para que a divindade viesse possuir aquele receptáculo. Mas o ritual tinha outra particularidade, o deus que ali adentrava não mais podia sair, e era então levado a casa (ou templo) para fazer a vontade daquele que o invocava. Seus poderes eram contidos e agora ele tinha que fazer o que aquela parva criatura que o aprisionava lhe pedia, tornando assim um dos deuses da família. E cada um queria ter os seus, e quanto mais poderosos melhores.


Era isso que o Deus de Israel proibia que fizessem (ou tentassem) fazer com Ele! Como podem ver, a idolatria no sentido histórico e original da palavra está mais ligada aos pokemóns que aos santos católicos (ou o capitalismo), mas quem sou eu para ensinar história para essa gente? O importante é que tenham em mente que é esse o sentido de idolatria que levo em consideração ao dizer “neo-idolatria”.


O homem é pequeno e miserável e quer que o universo curve diante de si para que ele viva da forma que a sua vontade fraca lhe ordena. Diante de sua consciência laxa, prefere montar o seu credo como quem escolhe os ingredientes de uma pizza.


E esse pensamento vem se tornando cada vez mais comum. Hoje em dia, mais do que “igrelojas” onde pastorzinhos semianalfabetos vendem sua própria verdade de interpretação bíblica, vemos uma verdadeira customização do pensamento divino, onde as pessoas moldam Deus a sua imagem e semelhança.


O que é mais prático? Opção 1: eu busco fortalecer minha vontade para buscar o que é bom, educar minha inteligência para conhecer a verdade e gastar minha liberdade em fazer o que é correto, passando assim por meio de um árduo caminho de iluminação onde encontro-me com Deus e enfim posso ser saciado. Opção 2: eu imagino que existe um Deus que está satisfeito comigo tal como estou, não preciso esforçar-me e tento dormir feliz.


O fato de a alternativa número 2 ser a mais fácil é o que traz tantas igrejas variadas e, tenho que admitir, criativas. Ora, se você quer ser um pamonha que joga videogame o dia todo e não arruma um emprego, não se preocupe, há espaço para você na igreja do Jesus Gamer; Se você possui transtornos homoafetivos, mas quer continuar oferecendo seu orifício para outros homens, tudo bem! Temos igrejas que adotaram uma versão homossexual da Bíblia; Se você quer apenas alguém que diga que você é ótimo e Deus não se importa de você ser um completo estúpido, nós temos várias igrejinhas água com açúcar. Não importa qual seja sua necessidade, acharemos a igreja certa para você!


É essa a neo-idolatria, o retorno a um ato de trazer Deus até mim para fazer as minhas vontades. Pois o que importa é a minha felicidade, o meu mundinho, o meu umbiguinho. E que se dane se Deus sonhou desde o princípio que eu passasse por um caminho de purificação, iluminação e união e por fim me tornasse perfeito como o Pai e o recebesse de braços abertos, feliz após combater o bom combate.


Infelizmente, como toda ideologia porca, essa também gotejou entre os fiéis da Igreja, que as vezes querem moldar Deus e a Igreja conforme sua forma parva e pueril de pensar. “Eu acho que a Igreja tinha que mudar nesse ponto…”. Dois mil anos de histórias, dezenas de concílios, grandes santos doutores, milhares de livros escritos, milhões de milagres… mas o que importa mesmo é como você que custou fazer uma graduação (se é que fez) e nunca leu a Bíblia e o Catecismo inteiros acha que deve ser.


Muito cuidado ao deixar suas opiniões chocarem contra os ensinamentos, por demasiado sábios, da Igreja. Os tempos mudam, mas a verdade não é um conceito de geração. Jack, o estripador, continua sendo um assassino cruel, mesmo que a próxima geração bata palmas e narrem sua bravura. Além de ser uma organização milenar, a Igreja é a esposa de Cristo e age conforme lhe sopra o Divino Espírito. E não adianta dar chilique, Ele não vai se moldar conforme o que você deseja, pois sabe que o punhal que você deseja segurar com suas mãozinhas infantis não é um chocalho.


Por fim, voltamos à nossa amiga espírita, cuja consciência (originalmente boa, quando criada por Deus) a acusava de que sua conduta não lhe era certa. Mas ela preferiu abafar a consciência diante da ilusão de que pode viver essa vida no crédito para pagar a fatura na próxima. Essa filosofia coube-lhe como uma pomada anestésica na consciência, e a coitada podia voltar a dormir sossegada, mesmo não tendo progredido na vida.


Os pagãos erraram ao se esquecer de que o homem deve trilhar o caminho da ascese, pois esse caminho em si já lhe é pedagógico. Erraram ao se esquecer que o Deus que nos criou é grande e muito maior do que qualquer ideologia ou filosofia de botequim. Deus não é um ser lendário, que cada um descreve como achar conveniente, mas alguém vivo e real que veio até nós para mostrar que era possível seguir o caminho que ele projetou, e Ele mesmo o seguiu, dando seu exemplo, do Presépio ao Calvário, da Cruz aos Céus. E é esse o movimento que deve ser feito: nós nos moldamos a Deus. Ele é quem faz conosco, e em nós, aquilo que bem entender.

 
 
 

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