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Como descobrir um impostor na vida real

  • Foto do escritor: Carlos Neiva
    Carlos Neiva
  • 5 de nov. de 2021
  • 6 min de leitura


Nesses dias de pandemia, tivemos que ficar todos em casa, nada de escola, passeios ou simplesmente ver os amigos. Esse clima todo proporcionou a nova febre entre os games, o jogo indie Among Us. O jogo é de 2018, mas bombou somente nesse ano, sendo jogado por vários influencers, gamers e youtubers, como PewDiePie, Felipe Neto, Jovem Nerd, Cellbit e muitos outros. Até candidatos políticos como Guilherme Boulos e Manuela Dávila se aventuraram a jogar em lives.


O jogo é muito simples em sua estrutura e mais simples ainda em seus gráficos, mas não deixa de ser por isso menos divertido. Em tese, você e seus amigos (ou completos desconhecidos) formam uma tripulação de astronautas coloridos que precisam realizar as tarefas corriqueiras da sua espaçonave (há uma base em outro planeta e uma aeronave também), se você e toda a sua equipe cumprirem todas as tarefas que cada um deve fazer, a tripulação ganha o jogo.


Entretanto, há um impostor entre – “AMONG US” – a tripulação. Esse impostor (que pode ser um ou dois) joga contra todos da tripulação, sua tarefa é sabotar a nave e matar os tripulantes, mas, para isso, ele precisa se passar por um tripulante, fingindo realizar tarefas para que os demais não o coloquem para fora da nave, para morrer a deriva no espaço. Se os impostores matarem um por um (ou convencerem a tripulação de matar uns aos outros por meio de falsas acusações) até que o número de tripulantes seja diminuído ao mesmo número de impostores, eles ganham a partida e os tripulantes perdem.


Assim sendo, Among Us reúne a jogabilidade rápida para realizar as tarefas um tanto complicadinhas com a ardilosidade do impostor e a capacidade de investigação dos tripulantes, criando então um jogo para lá de divertido. Esse jogo está disponível na Steam, na PlayStore e no iTunes.


Mas o jogo se assemelha muito a vida real, também no nosso dia a dia temos tripulantes suspeitando uns dos outros enquanto há um impostor entre nós. Nesse caso, como saber quem é impostor e quem é tripulante?


Existem alguns passos que precisam ser definidos primeiro. Inicialmente, você deve entender os mecanismos do jogo na vida real: onde é a espaçonave? Quais são as listas de tarefa? Quais são as tarefas? Depois, deve descobrir se você é um tripulante ou um impostor. O jogo dá essa resposta logo no começo, mas na vida real você vai precisar de autoanálise para saber o que é. Por fim, você irá reconhecer entre os seus quem é tripulante e quem é impostor, assim conseguirá se livrar de ser morto e poderá cumprir suas tarefas e ganhar o jogo.


Comecemos então com o cenário do jogo. A espaçonave é por onde os jogadores conseguem se locomover, lá fora, o espaço sideral, existe, mas não é possível acessá-lo, a menos que você seja arremessado pela tripulação. Da mesma forma, a espaçonave em que você deve operar é toda a abrangência por onde você consegue se locomover: sua casa, sua escola ou faculdade, seu trabalho, sua igreja, sua cidade, seu país. Até onde vai o seu alcance, aí está definido a sua espaçonave.


Nessa espaçonave, temos atividades a realizar, essas atividades estão compostas em uma lista de tarefas. Essa lista, na vida real, chama-se “valores”. Quais são os seus valores? Isto é, o que você pretende atingir na espaçonave? Que setor ou área você quer melhorar? O filósofo Max Scheler, em seu livro Da reviravolta dos valores (1919) trata sobre essa questão. Nossos valores são algo extremamente pessoal, têm a ver com o que planejamos para nós mesmos, quais são as nossas prioridades, qual é o ideal de excelência humana que queremos adquirir. Nossa “lista de tarefas” não é dada pelo jogo da vida, ela é composta por nós. Embora haja pensadores (talvez impostores) que digam que nossos valores são construídos pela sociedade que nos rodeia, nossos valores são escolhidos livremente por nós e a prova disso são as pessoas que fizeram diferente do seu meio e marcaram a história, tais como Martin Luther King Jr., Madre Teresa de Calcutá, Mahatma Gandhi e tantos outros.


Somos seres livres, o que significa que criamos nossa própria lista de tarefas, nossos valores. Os animais não são livres, seguem à risca a maravilhosa lista de atividades da natureza, e todos são muito bons em cumpri-la. Todos os bois ruminam da forma mais perfeita e são belíssimos eu seu mugir; todas as cigarras cantam maravilhosamente para atrair suas fêmeas; todas as panteras são máquinas de caçar e nunca ouvi falar de um leão que optou por ser vegano.


Já nós humanos livres, nós trilhamos nossas metas: alguns optam por não comer carne ou fazer uma dieta, outras optam por penitências e outros por praticar um esporte, há quem prefira cantar e outros que preferem passar em um concurso público. Enfim, os meus planos são diferentes dos seus, mas no reino animal, todos os cangurus têm a mesma meta a seguir de pulo em pulo.


Sendo assim, quais são as tarefas que você colocou (ou vai colocar) na sua lista? Essas tarefas chamam-se virtudes (que vem do latim “vir”, que significa homem, ou seja, é aquilo que é próprio do homem). A escolha das virtudes a se adquirir vai depender de quais são seus valores. Você quer ser um soldado? Então deve colocar a coragem entre suas prioridades? Quer ser religioso? Talvez a piedade. Um intelectual? A estudiosidade. Um líder? A magnamidade. E por aí vai.


Aristóteles nos diz em seu livro Ética a Nicômaco (350 a. C.) sobre a virtude, que ela é um agir de acordo com a justa razão. Ou seja, pensar bem seu plano de metas de acordo com seus valores. O Filósofo também diz que a virtude é uma disposição que torna bom o homem e faz com que funcione bem (de modo excelente). Isto é, quanto mais tarefas – virtudes – você completar, mais próximo estará de ganhar o jogo: atingir seus valores. O homem virtuoso é mais excelente, é mais feliz.


Aristóteles ainda dá mais um ensinamento importante sobre o que é a virtude, ele diz que ela é um hábito que se adquire, inicialmente difícil, mas depois vai saindo mais natural, como tentar andar de bicicleta ou tocar algum instrumento musical. Essa virtude é o termo médio entre dois extremos ruins: a carência e o excesso. Por exemplo, para ser corajoso é preciso praticar constantes atos de coragem, até que seja natural fazê-lo. Entretanto, a coragem é o justo meio entre sua falta, a covardia, e seu excesso igualmente ruim, a temeridade. Se você morre de medo de sair de casa por causa da violência, é covarde, mas se enfrenta um bandido que está armado, é maluco (temerário). Se você não trabalha, é um preguiçoso, mas se trabalha sem parar e não tem tempo para a família e os amigos, é um workaholic.


Uma vez entendido o que são valores e virtudes, analise bem suas tarefas e questione a você mesmo sobre elas. Suas tarefas cooperam para os seus valores? Você tem realizado suas tarefas ou perdido tempo? Quais tarefas faltam realizar e em que ordem de prioridade? Conheça-te a ti mesmo!


Se você notar que seus valores são ruins, egoístas e tóxicos, ou pior, que você finge ter bons valores e na verdade não tem nada. Então você é um impostor, fingindo fazer missões e sabotando a espaçonave onde vive. Sua vida é um risco para toda tripulação e uma hora ou outra você será ejetado pelos tripulantes.


Existem muitos impostores entre nós. Existem pessoas com falsos valores fingindo ter virtudes que não têm, são eles que sabotam nossa espaçonave e atrapalham o sucesso da tripulação. Infelizmente, não conseguimos desmascarar todos, então a única forma de ganhar o jogo é cumprir rapidamente todas as nossas tarefas-virtudes.


Aristóteles dizia que as virtudes eram exatamente para o homem viver bem na pólis, isto é, na sociedade. Ele ainda dizia que o ideal é que todos os homens fossem amigos, uma tripulação, mas já que há impostores entre nós, então são necessários o Estado e as leis. Esses dois são o botão de reunião de emergência e de reportagem. Assim, quem sabota a espaçonave, é justamente ejetado dela – é a sanção da lei. Pode ser divertido ser o impostor no jogo, mas na vida real não é bem assim. Afinal, a felicidade só é sentida pelos homens virtuosos, ou seja, que cumpriram sua lista.


Entretanto, existem no mundo real impostores que não só fingem cumprir tarefas, mas que sabotam a sociedade com falsos valores, desorientando a tripulação com propostas errôneas. Os tripulantes, ao invés de cumprir suas tarefas, passam a maior parte do tempo envolvidos com as sabotagens. Esses impostores sabotadores são aqueles que passam valores errados, como aqueles que ensinam que o real valor é desestruturar a sociedade e revolucionar o sistema; ora, é como se estivesse dizendo que o papel dos tripulantes é sabotar a nave. Há outros impostores ainda que dizem que só é valoroso aquilo que é útil, ou que todos deveriam realizar as exatas mesmas tarefas, outros por fim que dizem que devemos esquecer as tarefas e andarmos atoa pela espaçonave. Enfim, são muitos os pensadores impostores que sabotam a tripulação com seus pensamentos anti-valores, e devemos estar atentos a eles, ou vão levar a perdição à toda a espaçonave.


Estamos todos a bordo dessa espaçonave e é preciso sermos um grupo unido, só assim é possível realizar as tarefas sem sermos pegos pelos impostores. Precisamos estar atentos às câmeras enquanto os impostores andam pelas tubulações e buracos. Devemos tomar cuidado para não nos acusarmos uns aos outros, pois é esse o joguinho do impostor. Enfim, as tarefas são individuais, mas somente unidos ganhamos o jogo. Não nos deixemos enganar por falsas tarefas e não julguemos o ciano apenas pela sua cor.




Texto originalmente postado no blog do Canal 7 em 16 de dezembro de 2020.

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