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A caminhada da dor e da fé em O Quinze, de Rachel de Queiroz

  • Foto do escritor: Carlos Neiva
    Carlos Neiva
  • 18 de nov. de 2021
  • 6 min de leitura


O Quinze, é um romance regionalista brasileiro, escrito por Rachel de Queiroz e que trata da terrível seca de 1915. Daí o título da obra. Ainda escrito em sua juventude, Rachel vai deslanchar sua carreira como escritora a partir da publicação dessa obra.


No primeiro capítulo, o romance apresenta o primeiro (e mais importante) círculo de personagens da obra: a jovem Conceição e sua avó Dona Inácia, a quem trata por mãe Nácia”. Já no primeiro capítulo fica claro que a menina é bastante inteligente e culta, mas mesmo assim vive como uma jovem apaixonada e romântica. Já a avó, traz consigo a sabedoria do povo, além de uma forte raiz religiosa. É a família mais abastada da obra.


Já no segundo capítulo, é apresentado outro círculo de personagens, a família de Vicente. Esse primo de Conceição é o grande flerte da protagonista. O jovem é batalhador e sofre na caatinga para trazer o sustento para família; o velho pai, a mãe e as irmãs.


Por fim, o terceiro ciclo de personagens é apresentado. O pobre Chico Bento e sua família de retirantes, que ordenados pela dona da fazendo onde logravam, teve que soltar o gado para morrer e partir em direção à Amazônia (para trabalhar como borracheiro). É aqui que começa a jornada do romance.


Na obra, os personagens equilibram o sentimento de piedade e luta para sobreviver. Um verdadeiro duelo entre a caridade e o egoísmo. Vicente compra o gado de Chico Bento por piedade, mas não paga tão bem quanto deveria, pois também é pobre. A mãe acha ruim que tenha comprado um gado magro, mas o pai elogia porque a raça é boa. Esse dilema ainda se mantém durante todo o romance.


Nos capítulos cinco e seis, temos duas partidas. Primeiro, a de Chico Bento e sua família que parte a pé, com poucos recursos, em direção ao Quixadá. Dalí ele tenta ganhar alguma ajuda do governo para se dirigir à Amazônia. A família parte então em meio a desértica caatinga, jogados à própria sorte. Também indo para o Quixadá, mas para trabalhar como professora, vai Conceição, que arrasta sua avó consigo. Elas vão e trem, mas a dor da partida é tão grande quanto. Elas só voltarão quando chover.


No próximo capítulo, a família de Chico Bento continua caminhando. A miséria se une à fome e ao cansaço, mas a pouca provisão que levam é dividida com um outro grupo de retirantes que encontram pelo caminho, esse grupo estava tentando conseguir algum pedaço de carne de uma carniça no caminho, uma vaca morrera doente, e um líquido podre escorria pelo buraco dos chifres. Enojado com aquilo, Chico Bento divide sua comida.


A fome de Chico Bento retorna depois de alguns dias de caminhada. Ele vende alguns recursos que tinha e consegue um pouco de comida. A comadre que ia junto deles fica no meio do caminho, em um emprego que conseguiu. Um dos filhos de Chico Bento, Josias, come uma raiz venenosa e caí doente, alguns capítulos depois morre.


Conceição já está na cidade, e ajuda os pobres que vivem no campo de concentração. Aqui há mais um embate caridade X egoísmo, pois a moça se dispõe a ir todos os dias no local ajudar o máximo de pessoas que puder, mas sente nojo o tempo todo e respira aliviada quando sai do meio de tanta sujeira e imundície.


No décimo segundo capítulo, já sem um dos seus filhos, sem comida e provisões, Chico Bento perde a dignidade que tanto lhe confortava. Ele rouba uma cabra, mata-a e enquanto vai esfolando a caça, o dono chega e a toma. O xinga de vários nomes e mesmo depois que Chico diz ter fome e implorar por comida, ele lhe dá apenas as tripas da cabra. Chico Bento chupa o sangue dos dedos e permanece prostrado, envergonhado e faminto. Sua família come as tripas assadas, sem lavar.


Mocinha, a comadre de Chico Bento que ficara em um emprego na estação, tem sua felicidade findada. A velha patroa a despede e expulsa de casa. Sem o que fazer, a respeitosa senhora com seu belo par de chinelos bordados de ir à Missa torna-se prostituta.


O décimo quarto capítulo é um pouco extenso e de suma importância para o desenrolar da obra. Nele, Vicente vai visitar a tia Inácia, e ao ver a prima Conceição, observa que ela é muito inteligente (pedante) para um homem como ele, a partir daí, toda docilidade que ele via na prima acaba e ele retorna de coração partido para casa. Porém, Conceição que via o primo como um príncipe encantado vê nele um homem matuto e bruto e também desfaz todo o encanto. Cada um toma seu rumo, sofrendo de amor.


No capítulo seguinte, Chico Bento desmaia, delirando de fome. Toda sua família acompanha o movimento, exceto o primogênito, Pedro. Quando eles voltam a si, o menino desapareceu e não é mais visto no resto da obra.


Eles vão até a cidade buscar notícia do menino, mas o delegado se recusa a ajudar os “retirantes”, só depois de ver que era um conhecido seu é que se dispõe a fazê-lo. Depois disso, a família parte para Quixadá, fazem esse caminho de trem, pois ganharam as passagens do compadre delegado.


Já em Quixadá, a família é muito bem cuidada por Conceição, o filho caçula é adotado pela protagonista. E a família ganha a vida com pequenas doações e alguns trabalhos de dinheiro fácil que vão arranjando.


No capítulo dezessete, é apresentado uma outra personagem importante, Mariinha das pernas grossas. Essa jovem vai encher o coração de Vicente de encantos e, auxiliada pelas irmãs de Vicente, ela irá tentar laçar o coração do bom rapaz. A trama se arrasta por mais alguns capítulos, mas apesar de o leitor ficar extremamente preocupado com esse triângulo amoroso (Mariinha > Vicente > Conceição), as investidas da jovem não resultam em nada, o que só será revelado no último capítulo, quando a narradora deixa claro que Vicente ainda mora com a mãe. Porém, a irmã de Vicente casa-se com o irmão de Mariinha e tem uma filhinha a quem dão o nome de Helena.


Porém, antes desse final, há um pré-final. No vigésimo primeiro capítulo, Chico Bento vê que não há muita esperança em Quixadá, a acolhida na cidade fora apenas um bálsamo para a sofrida família, mas era necessário continuar a caminhada. Aconselhado por Conceição, o vaqueiro desisti de ir à Amazônia e decidi partir para São Paulo. Dona Inácia lhe dá as passagens e a família parte de barco, encerrando a narrativa da jornada dessa família de sofridos retirantes.


A partir daí, a trama central passa a ser a única trama. Conceição se vê presa no dilema de se casar ou não. Já criando seu afilhado, a professora decidi não retornar para casa, então Dona Inácia vai sozinha. Porém, Conceição se vê atormentada pela lembrança de Vicente. Ele também tem esse pensamento, mas ocupa sua cabeça com o gado e o trabalho.


É interessante notar como é narrado o passar dos meses, primeiro passa setembro e sua seca, depois outubro com a procissão de São Francisco de Chagas (04 de Outubro), depois a morte em finados (Novembro) e o inverno traz chuva (Dezembro), é muito interessante observar como o povo memoriza cada época por meio de um fator climático, da natureza, ou religioso.


Por fim chove, e a esperança das personagens toma conta da obra assim como as ervas verdes se espalham pelo chão como um “tapete verde”. Têm-se a resolução do problema central e a obra se encaminha para seu final feliz, só resta então um último problema: o relacionamento de Conceição e Vicente.


Na cidade, todos comemoram o Natal. Passaram-se três anos e é possível ver o desfecho das personagens. Porém, Conceição ainda está solteira, e termina a obra vendo Vicente passar, esse também se contém ao vê-la, mas seguem adiante, recusando-se em ouvir seus próprios corações.


Conceição se faz então assim, mulher forte e cheia de si. Acredita não precisar de homem algum, mas se pergunta como seria tê-lo. Há uma forte ligação da personagem com sua criadora, Rachel de Queiroz. Ambas eram muito inteligentes e achavam que a vida de dona de casa era pouco para elas. De fato, Rachel foi grandiosa e deixou sua marca na literatura brasileira, mas seria essas dúvidas de Conceição, reflexos das dúvidas de sua criadora?


O Quinze é uma obra que trata de jornada, migrações, caminhadas. O povo sofrido caminha sem perspectiva do que será o futuro, mas com o coração cheio de fé e esperança. A devoção católica popular permeia a narrativa do princípio ao fim, e até o leitor, passando por todo sofrimento junto dos personagens, acredita que ainda haverá de chover, e corre, a cada mês, a cada capítulo, a olhar para o céu nas esperanças de que caia ao menos uma garoa leve, “mode” amaciar a terra.

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